Ícone nova-iorquino, transexual Amanda Lepore diz que Lady Gaga ajudou a diminuir preconceito

 • Neto Lucon, com tradução de Gabriel Nanbu e Diego Bonel



Uma gritante imagem loura, recortada das fotos do conceituado fotógrafo David LaChapelle, circulou por São Paulo em uma tarde de sábado, dia 14 de maio. Pálida, com lábios carnudos e extremamente vermelhos, era apontada como uma alucinação de Marylin Monroe. Os olhares tortos de curiosos eram comuns, mas ela parecia não se importar.

Rumo à escadaria da Avenida 13 de Maio, inspirava-se nos passos da envolvente marciana interpretada por Lisa Marie em “Marte Ataca” (comédia americana de 1996). Com toda delicadeza e pompa de uma diva, estava empolgada por estar pela terceira vez no Brasil, onde gravou o clipe Turn me on Turn me Over.

Amanda Lepore, a tal figura vibrante que contrastou com o cenário cinza de São Paulo, é um grito. Uma hipérbole, boneca pop art que anda, pensa, fala e canta. Uma imagem moldada pelas mãos de cirurgiões plásticos, eternizada por LaChapelle e inspiração para letras do rapper Cazwell.

Nada nela é óbvio. Até mesmo as intervenções cirurgias – tidas por muitos como artificiais – serviram para aliar ao mais íntimo sentimento: o de ser mulher. Embora tenha uma imagem incomum e ousada, é tranquila e extremamente educada.

Ícone da noite americana e musa de LaChapelle (fotógrafo que também adotou ícones como Madonna, Cher, Elton John e Lady Gaga), a cantora nova-iorquina conversou com o Virgula com exclusividade. Aqui, falou sobre o novo álbum, o que pensa sobre Lady Gaga, Britney Spears, a brasileira Lea T e revelou detalhes de sua intimidade.


Você esteve aqui para gravar o clipe Turn me on Turn me Over. Por que escolheu o Brasil?
Eu e Marco Ovando (diretor do clipe) pensamos que o Brasil se encaixaria melhor pelas imagens dos garotos bonitos e seus contrastes. Assim como o título sugere, “os brasileiros me excitam”. A música é na verdade uma canção que fizemos há uns três anos. Eu cheguei a tocá-la uma vez com o Scissor Sisters, em Dallas, e outra em que o som não estava muito bom. O clipe foi gravado todo no Brasil, em um clube e no hotel em que fiquei hospedada.

Ícone da noite nova-iorquina, quando você se descobriu artista e começou a ser considerada diva?
Acho que logo quando comecei a trabalhar em night clubs, como na festa Disco 2000, em Nova York. Nós éramos tratadas como estrelas, embora não fôssemos.

Isso aconteceu como? Foi de repente, “ok, sou uma diva”?
Eu só queria ser uma garota normal, era muito tímida. Na noite, só estava tentando me virar. Mas depois teve o David LaChapelle que começou a me fotografar e isso virou uma bola de neve: entrevistas, reportagens, comecei a ser respeitada seriamente como uma diva. Mas teve gente que achou que me tornei famosa por causa das plásticas.

Que diferença você nota do cenário dos clubes de antigamente para o atual?
Quando comecei a trabalhar, as transexuais não eram vistas como parte da cultura gay. Tanto que trabalhava em clubes héteros, ao lado dos gogos e dançarinas. Fui provavelmente uma das primeiras transexuais na cena de clubes de Nova York e eles realmente não sabiam o que fazer comigo. Como me encaixava melhor entre as garotas, eles me colocavam com elas. Só mais tarde é que comecei a perceber que era mais convidada para festas gays.

Quando notou essa mudança?
Acho que quando começaram a incluir as transexuais nos direitos homossexuais, quando os gays começaram a ser mais receptivos. Hoje eu só trabalho em festas gays. A maior mudança é essa: começou de nada gay e agora é tudo gay.

O que acha de cantoras mais montadas de hoje, quase-drags, como a Lady Gaga?
Eu gosto, acho que ajuda muito pessoas como eu. Britney Spears, Christina Aguilera, Jennifer Lopez, Lady Gaga, as pessoas vêem e pensam “eu gosto dela, e posso gostar também do trabalho da Amanda”. Acho que parte do sucesso da Lady Gaga vem do jeito que ela se veste. Acho a música boa, embora coisas novas não sejam as minhas favoritas.

O que escuta em casa?
Gosto muito de Kylie Minogue. Não compro música, porque gasto mais dinheiro com roupas e acessórios, mas ganho muitos presentes. Gosto de música boa em geral: velha, disco music... Entre Britney e Christina, prefiro a voz de bebê da Britney, apesar de tecnicamente a Christina ter uma boa voz. Da Rihanna prefiro o visual, a voz é muito sintetizada. Sobre a Lady Gaga, gostei do primeiro trabalho, mas não muito dos outros.

Recentemente você traçou uma parceria com o rapper Cazwell. Como o conheceu?
Nós nos conhecemos em clubes que trabalhamos juntos. Eu era fã da música dele e o chamei para tocar em minha festa de aniversário.

Depois ele colocou você em alguns clipes...
Sim, ele me colocou. É que passamos muito tempo próximos, e ele começou a escrever músicas sobre minhas experiências. A primeira foi “Champagne”. Eu gostei, as pessoas gostaram e foi um sucesso. E continuamos fazendo outros trabalhos em parceria.

Parceria ainda maior foi com David LaChapelle. O que poderia falar sobre os bastidores dos ensaios?
Ele é muito organizado, tudo é desenhado antes em storyboards. Gosta de discutir o cabelo e tem muitas referências. A equipe é enorme e tudo é planejado. Hoje ele tem sucesso e dinheiro para fazer dessa forma.

Você chega dar opinião nas fotos?
No começo eu não dava opinião. Mas agora ele me deixa escolher as fotos. Ele é muito meticuloso. Acho que uma das razões pelas quais a gente se dá tão bem é que ele percebeu que tenho uma visão que ninguém tem. E ele curiosamente também vê do meu jeito.

Conhece a modelo brasileira e transexual Lea T?
Ela é ótima! É uma modelo linda. Há sempre uma fascinação de deusas transexuais. Aconteceu isso nos anos 80, 60, 70, 90 e tem agora a Lea T. Sempre tem “a” pessoa, mas você nunca as vê como supermodels. Não é aceito dessa forma, é apenas uma fascinação.

O que acha da atual presença trans na mídia?
Sempre existiu um movimento de valorização da transexual, com uma fascinação, como se fôssemos deusas. Mas logo depois tudo isso acaba, não tem mais espaço. E é um pouco estranho, ainda existe muito preconceito, mas acho que está ficando mais comercial. Hoje vemos transexuais na televisão, trabalhando em lojas...

Quando você era pequena, não existiam tantas referências de transexuais. Em quem você se inspirou?
Sempre me senti garota e não entendia porque meus pais compravam roupas de menino. Pensava que eles estavam me punindo. Minhas referências foram as estrelas do cinema. Passava horas assistindo filmes antigos. Minha mãe e minha avó também gostavam de se montar. Nesta época, as mulheres tinham um acabamento drag queen, elas eram muito produzidas, assim como a Dita Von Teese é hoje em dia.

Como seus pais lidavam com sua vontade de adentrar no universo feminino?
Meu pai pegava todas as minhas bonecas, mas eu dizia que não iria para a escola e ele devolvia (risos). Minha mãe passou muito tempo hospitalizada, então meus familiares sentiam pena de mim. Minha avó me dava bolsas, jóias, me deixava usar perfume. Eles faziam isso porque achavam que eu era infeliz e que era apenas uma fase.

Você gosta de cantar no chuveiro, esse tipo de coisa?
Quando eu era pequena, cantava em frente ao espelho e fingia que estava me apresentando.

Como você é na intimidade? Você se maquia sempre?
Eu me maquio todos os dias, mas às vezes vou à academia sem nada. Gosto de pensar que não sou reconhecida, que passo batida, mas não passo (risos). Alguns namorados dizem que quando eu tomo banho e tiro a maquiagem não fico tão diferente. Mas de fato me sinto mais confortável maquiada.

E o que podemos esperar de você nos próximos anos?
Gosto de me manter ocupada e estou ficando mais confiante como performer. Não tomo as coisas como ganhas e por isso trabalho duro. Gostaria de fazer filmes ou escrever. Mas hoje meu foco é na música. Meu álbum sai em junho, 25, e tem 14 faixas.

Pretende voltar ao Brasil?
Oh, sim, claro. Podem esperar...


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