De: FERNANDO GRANATO
fernando.granato@diariosp.com.br
Na escola estadual onde é diretora, a Santa Rosa de Lima, no Capão Redondo, Zona Sul, ela é chamada de “professora”, “mestra” e até “mãe”. Na noite, onde faz cada vez menos apresentações como artista, é conhecida como cover de Whitney Houston, a cantora norte-americana que faleceu em 2012.
Paula Beatriz de Souza Cruz ingressou na rede estadual de educação em 1989, quando ainda não tinha assumido a sua travestilidade e dava aulas para alunos do ensino fundamental. Na época era um professor divertido, que chamava a atenção com seus trejeitos. “Alguns alunos não entendiam bem e perguntavam se afinal eu era homem ou mulher”, conta.
Com o passar dos anos veio a maturidade sexual e a opção feminina, ao mesmo tempo em que galgava cargos na Secretaria Estadual de Educação. Foi assistente pedagógica e, em 2003, assumiu a diretoria de uma escola na Vila das Belezas, também na Zona Sul. Em 2007, depois de longa batalha, conseguiu na Justiça o direito de ter seu registro civil definitivamente como mulher.
“Não estava me sentindo bem daquele jeito e então travei uma batalha para conseguir minha verdadeira identidade. Todos me aceitaram maravilhosamente e hoje não passa na cabeça das crianças desta escola (do ensino fundamental) que um dia já fui homem.”
Histórias como a de Paula são cada vez mais comuns nas grandes corporações e deixam para trás um passado de preconceitos. Na Secretaria Estadual da Educação, onde o caso de Paula tornou-se emblemática, um departamento específico já trata do tema da diversidade.
“Os profissionais que desejam a utilização do nome social podem manifestar o interesse para as diretorias das unidades em que trabalham”, afirmou a coordenadora de Gestão da Educação Básica, Maria Elizabete Costa. “A inclusão é um dos pilares da nossa gestão.”
No setor privado a ascensão profissional de transexuais e travestis também é uma realidade. O preconceito diminuiu, mas não acabou. É o que demonstra o caso da subgerente Giovanna L. Ela trabalha numa grande loja de tecnologia, falou com o DIÁRIO, mas não pôde revelar o nome do seu empregador. “Nesse emprego decidi pela primeira vez assumir que era mulher. Fui aprovada e hoje sou respeitada como transexual.”
Transexual já teve cargo de chefia no Ministério Público
O Ministério Público de São Paulo é um órgão vital para o cumprimento da Justiça. Basta entrar em sua sede, no Centro, para sentir a austeridade do ambiente frequentado por advogados, promotores e procuradores. É lá que trabalha desde 1982 a transexual Mari Fernanda Mariano, que já foi até diretora substituta do departamento administrativo e é diretora da Associação dos Servidores do MP-SP.
Hoje, Mari, como é conhecida em toda a entidade, é oficial de promotoria e ocupa uma sala no quinto andar. “Foi uma batalha chegar até aqui”, contou. “Tive de vencer muito preconceito por ser homossexual e negra.” Entre as dificuldades enfrentadas ela cita as hostilidades das mulheres que não queriam que ela frequentasse o mesmo banheiro. “Enfrentei tudo e conquistei meu espaço.”
Agora, Mari trava mais uma luta, desta vez com a Justiça, para conseguir mudar sua identidade civil. “Sempre briguei muito e vou conseguir vencer esta batalha. Minha vida nunca foi fácil. Prestei concurso e entrei no MP, me formei em matemática, obtive um cargo de confiança, sempre de maneira discreta e feminina.”
Vários colegas de Mari são testemunhas no processo.
entrevista: Klecius Borges - psicólogo
Muitos ainda têm medo de ‘sair do armário’
Acabou o preconceito contra gays no mercado de trabalho?
Não, o preconceito ainda é muito forte. As discussões sobre o tema estão mais abertas, mas isso não acabou necessariamente com o preconceito. Boa parte da sociedade brasileira diz aceitar as relações homossexuais, mas, na prática, o que vejo é a dificuldade que as pessoas sentem em conviver com o que é diferente.
Mas existe um movimento de aceitação e inclusão dessas pessoas no trabalho?
Sim. Grandes empresas, principalmente de origem norte-americana, têm programas de diversidade e inclusão. Vejo um grande esforço por parte dessas empresas e hoje já temos executivos assumidamente homossexuais.
opinião: Reinaldo Bulgarelli, professor da FGV-SP e da Unicamp especializado em diversidade
A discriminação é grande inimiga do mérito
Está sendo quebrado aos poucos o bloqueio do preconceito dentro das empresas. Grandes corporações como o Banco de Boston e a IBM, por exemplo, têm departamentos voltados para a questão da diversidade. Mas precisamos entender o mundo do trabalho como o espaço privilegiado para se produzir a desigualdade.
Nem a ascensão social da população negra, a grande mobilização em torno dos direitos da população LGBT, da mulher, da pessoa com deficiência, entre outros, têm alcançado resultados positivos na proporção dessa lucidez da sociedade ou dos esforços realizados por todos para se qualificar profissionalmente o trabalhador brasileiro. É a discriminação fazendo seus estragos e deixando que aspectos culturais ou ideológicos contaminem práticas de gestão e conceitos como mérito e competência, entre outros. A discriminação é inimiga do mérito.
MAIS
Pesquisa mostra dificuldade no trabalho
Pesquisa feita pela doutora em psicologia e especialista na área de saúde e educação Eleusa Gallo Rosemburg aponta que 21% dos participantes da Parada do Orgulho Gay disseram que não foram selecionados em um emprego ou já foram demitidos por causa da orientação sexual. “Nessa pesquisa ficou claro que a maioria deles nem passa no processo de seleção pelo preconceito de quem está contratando”, contou.
2 transexuais estão na rede de educação
Discriminação chega à escola e faculdade
A pesquisa quis saber também se os entrevistados já foram discriminados na escola ou na faculdade e 43,8% disseram que sim. “É cultural esse preconceito contra essa população. Às vezes a pessoa passa pela academia, pela universidade, mas no ambiente social as piadas homofóbicas ainda são preconceituosas”, afirmou.
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