A cabeleireira aposentada Andréia Ferraresi, 68, de São Paulo, é a transexual mais velha do país a fazer uma cirurgia de readequação sexual pelo SUS. Registrada ao nascer como Orlando, ela esperava pela operação desde 1979, quando recebeu o diagnóstico de transexualidade.
Sem dinheiro para pagar pelo procedimento, teve que aguardar até que a cirurgia fosse feita no SUS. Foi operada no dia 27 de fevereiro, no HC.
Veja o depoimento concedido por ela à TV Folha.
A data da alta hospitalar foi emblemática para ela: 8 de março, o Dia Internacional da Mulher. Andréia Ferraresi deixou o Hospital das Clínicas em São Paulo, entrou no ônibus rumo a casa na zona norte paulistana, fechando um ciclo que começou exatamente no dia em que nasceu. Estava pronta para receber as homenagens em referência às conquistas femininas. Pela primeira vez iria agradecer aos parabéns e às flores entregues nos semáforos como “uma mulher de fato”.
“Precisei viver 68 anos para me sentir completa”, diz ela.
A certidão que aponta 1944 como ano de nascimento só há 12 meses – após autorização judicial – passou a estampar o nome Andréia Ferraresi e a palavra “feminino” no espaço destinado ao sexo. Até então, exibia a grafia Orlando e o gênero masculino.
“Nasci presa em um corpo de homem”, define.
Primeiro, a adequação foi no registro civil. Há quase 30 dias, veio a solução cirúrgica, custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Andréia deitou na maca hospitalar para deixar para trás os rótulos de “menino estranho”, “mariquinha”, “bicha louca” e “mulher diferente” que a acompanharam por toda a vida. Levantou dela, quatro horas depois, para carregar o título de transexual mais velha do Brasil a ser submetida a uma cirurgia de readequação de sexo.
“Desta referência, sim, eu tenho o maior orgulho”, diz ela, passando as mãos nos cabelos tingidos com mexas loiras – a tática é para cobrir a cabeleira “todinha branca” – e retocando o brilho nos lábios e a sombra pastel nas pálpebras.
“Estou tão plena que me sinto Brigitte Bardot nos tempos áureos”, brinca, ao citar a sua musa de sempre, desde os tempos em que era Orlando.
“Posso ter quase 70 anos, mas o corpo e a alma são de uma jovem de 30. Minha vida começa agora. Agora que sou mulher dos pés à cabeça.”
Fabio Setimio/ Fotoarena
Até agendar sua bateria de consultas no ginecologista, Andréia fugia de médico. A primeira experiência com o “doutor” não foi agradável, lembra. “Sou a caçula de 11 irmãos e meus pais sabiam que eu era diferente de todos os outros filhos”, diz.
Quando tinha 12 anos, aquele menino frágil e delicado, de cabelos lisos na altura dos ombros “e que em nada combinava com o nome másculo Orlando”, lembra Andréia, começou a desenvolver mamas. Eram maiores até mesmo do que os das meninas da escola e de mesma idade.
“Meu pai me levou ao pediatra porque, em suas palavras, não queria que seu garoto virasse uma franguinha. Já naquela época, mesmo sem fazer nada, foi constatado que eu tinha hormônios femininos em excesso. Queriam me mudar a força, brigar com o meu organismo. Eu nunca mais quis ir ao médico.”
A vontade era brincar de boneca, fazer comidinha, ter cintura fina e perna grossa. “Então, com 14 anos, em uma terça-feira de carnaval, resolvi colocar o vestido vermelho com bolinhas brancas da minha irmã mais velha. Olhei no espelho e me achei linda. Os vizinhos ficaram encantados, acho que foi a primeira vez que fui paquerada”, conta. “Estava andando pela Praça Roosevelt, com aquela roupa que tanto me fazia bem, e um artista de rua, com seu violão, disse que eu tinha cara de Andréia. Ele fez uma música para mim, dizendo lá vem Andréia no fim de tarde.”
Naquele instante, o Orlando foi aposentado. “O apelido pegou e virou minha identidade. Até meu pai passou a me chamar de Andréia.”
Fonte: Tv Folha e IG Saúde
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